Privatizar a estatal é fundamental, mas não há espaço para aventuras, nem para milagres, nem para milagreiros

Depois de muitas idas e vindas e quando parecia existir um consenso de que não haveria privatização/capitalização da Eletrobrás, o governo apresenta uma MP, na tentativa, dentre outras, de recuperar a imagem de ser um governo liberal.

A privatização e/ou capitalização da Eletrobrás é desejável e fundamental ante a falência da capacidade de investimento da empresa e do estado atual do setor elétrico brasileiro. Estamos com bandeira amarela desde o início de 2021, no auge do chamado período úmido. A questão dos reservatórios já se arrasta há anos. Não dá mais para culpar apenas a “hidrologia ruim” ou a falta de sorte.

Existem fatores estruturais que precisam ser endereçados. O resultado de adiar o enfrentamento das verdadeiras questões estruturais pode ser um aumento contínuo e significativo das tarifas.

No entanto, o formato e o instrumento anunciados pelo governo na MP 1.031 não parecem ser os mais adequados. 

O primeiro é que capitalização não é privatização. A União passa a ter uma golden share o que representa risco político e desvaloriza a empresa. Após o episódio da demissão do presidente Castello Branco da Petrobrás, fica mais difícil o investidor acreditar na isenção da União na gestão das empresas. Ou seja, o modelo de empresas de capital misto parece não funcionar no Brasil, o que nos leva a duvidar se esse modelo de corporation com uma presença significativa da União e de golden share não terá os mesmos problemas do modelo de capital misto.

O segundo ponto é a ênfase dada na redução da tarifa de energia, ainda mais num contexto de que teremos elevações significativas em 2021. Caso a real intenção seja reduzir as tarifas, o livro-texto recomenda que seja feito através de políticas públicas claras, financiadas abertamente pelo Tesouro, ou mudanças nas relações entre o mercado cativo e o livre. Nos últimos anos tivemos um subsídio explícito do consumidor cativo em direção ao livre que precisa ser corrigido. No passado, vimos que a tentativa de reduzir os preços de energia pela MP 579/2012 foi desastrosa, e sentimos os efeitos até hoje. De outubro de 2012 a setembro/13 a energia residencial caiu 14,78%. Nos 12 meses seguintes, outubro/13-setembro/14, subiu 14,72%. Em novembro/14 já tinha acumulado alta de 18% zerando a queda. Em janeiro/15 a energia já tinha subido 28,45%, mais do que compensando a redução. De outubro/13 até agora subiu 107,65%.

A interpretação de que um dos objetivos da MP seria a redução de tarifas levanta a questão da efetividade desse instrumento e se isso não dificultaria a atração de investidores. A capitalização deveria ser para aumentar os investimentos da Eletrobrás, e não para reduzir tarifas.

Mesmo o objetivo de modicidade tarifária pode não ser atingido. Não está claro até que ponto teremos redução das tarifas colocando recursos da capitalização na CDE, ao mesmo tempo que ocorre o fim do regime das cotas promovidas pela MP 579 que levará a um aumento das tarifas para os consumidores cativos. O correto é que a redução das tarifas via CDE deveria beneficiar apenas os consumidores cativos, excluindo os consumidores livres. Os eleitores do presidente Bolsonaro estão no mercado cativo, e não no livre.

Ainda temos o risco de reduzir os aumentos tarifários nos próximos anos, como aconteceu com a MP 579, e a conta chegar no futuro, já que não estamos atacando as verdadeiras causas de termos tarifas elevadas.

Além das questões expostas acima, ainda existem outros fatores em aberto. Com o PL 414 em tramitação na Câmara haverá um crescimento mais rápido do mercado livre e, consequentemente, aumento na tarifa dos cativos. E qual vai ser o destino de programas como o Proinfa, que hoje estão embaixo da Eletrobrás. Como ficarão depois da capitalização da Eletrobrás?

Concluindo, privatizar uma empresa como a Eletrobrás é fundamental. Mas a escolha de um modelo de privatização num momento de crise e de pandemia, conduzido por uma necessidade de reduzir tarifas e agradar a alguns políticos, trará o risco de criar uma empresa com mais custos do que benefícios para a sociedade brasileira. Não há espaços para aventuras, nem para milagres, nem tampouco para milagreiros. 

Fonte: Adriano Pires*, O Estado de São Paulo

*DIRETOR DO CENTRO BRASILEIRO DE INFRAESTRUTURA (CBIE)

 

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